Por Jocelyn Noveck | Associated Press
Imagine que você pudesse acordar uma manhã, ficar em frente ao espelho e, literalmente, arrancar qualquer parte da sua aparência que não goste — restando apenas a beleza de uma estrela de cinema.
Como isso mudaria sua vida? Como isso DEVERIA mudar sua vida?
Essa é uma pergunta — bem, um ponto de partida, na verdade — para Edward, protagonista do fascinante, inovador, inegavelmente provocativo e ocasionalmente frustrante “Um Homem Diferente”, de Aaron Schimberg, com um trio estelar formado por Sebastian Stan, Adam Pearson e Renate Reinsve.
O próprio título está aberto a múltiplas interpretações. Quem (e o que) é “diferente”? O Edward original, que tem neurofibromatose, uma doença genética que causa tumores salientes em seu rosto? Ou o homem que ele se torna quando consegue sair daquela pele? E ele é “diferente” dos outros, ou de si mesmo?
Quando conhecemos Edward, um ator esforçado em Nova York (Stan, com maquiagem elaborada), ele está filmando algum tipo de comercial. Logo descobrimos que é um vídeo instrucional sobre como se comportar perto de colegas com deformidades. Mas mesmo lá, o diretor o interrompe, oferecendo mudanças. “Não quero assustar ninguém”, ele diz.
No caminho de Edward para casa no metrô, as pessoas o encaram. De volta ao seu pequeno prédio de apartamentos, ele conhece uma jovem no corredor, no meio da mudança para o apartamento ao lado. Ela estremece visivelmente quando o vê pela primeira vez, como praticamente todo mundo faz.
Mas depois, Ingrid (Reinsve) tenta compensá-lo, vindo para conversar. Ela é charmosa e direta, e diz a Edward que é uma dramaturga iniciante.
Edward vai para um check-up médico e descobre que um de seus tumores está progredindo lentamente sobre o olho. Mas ele também é informado de um teste experimental do qual ele poderia participar. Com a possibilidade — talvez — de uma cura.
Então Edward, estimulado pelo menos em parte pela frustração de não conseguir se aproximar de Ingrid, se junta ao julgamento. Essas cenas assumem a sensação repentina de um filme de fantasia de ficção científica — não de forma estranha, mas de alguma forma mudando de gênero suavemente por um tempo.
Quanto à medicação, ela começa a fazer efeito ainda mais cedo do que qualquer um esperava. Logo, a pele de Edward está começando a sair em pedaços. É assustador. E então ele se vê no espelho, se desintegrando diante de seus olhos. Mas, de repente, Edward parece — bem, ele parece Sebastian Stan.
Naturalmente, a vida muda, e radicalmente. Quando ele volta para o mesmo bar em que foi encarado e deixado sozinho, ele se torna amigo de todos. Uma mulher até quer fazer sexo com ele no banheiro. Ele cruza seu próprio olhar no espelho, como se dissesse: “O que está acontecendo conosco?”
Edward agora faz uma escolha importante. Ele simplesmente desaparece de sua vida anterior e se torna uma pessoa “diferente” completamente. Agora seu nome é Guy, e ele mora em um lugar melhor. Ele também tem um emprego como corretor imobiliário — a carreira definitiva de frente para o futuro, fazendo uso de sua boa aparência sedosa.
Mas Guy não está, digamos assim, confortável consigo mesmo. Então, um dia, ele vê Ingrid entrando em um teatro. Ela está fazendo audições para a peça que escreveu — sobre um homem como Edward. Na verdade, É sobre Edward. E ele fica obcecado em interpretar o papel.
No decorrer das audições, Edward encontra outro ator com deformidades que diz, pungentemente, “Eu nasci para interpretar isso”. Guy, é claro, não consegue dizer por que discorda — que é que ELE é Edward. Aqui, Schimberg está explorando a discussão espinhosa sobre o elenco, e se papéis de deficientes devem ser preenchidos apenas por atores deficientes, papéis trans por atores trans, e assim por diante. Adicionando camadas de complexidade ao seu filme, Schimberg faz as duas coisas, de certa forma.
Ou deveríamos dizer que Ingrid faz as duas coisas. Como dramaturga — e aqui, a soberba Reinsve adquire uma vantagem que sua encarnação inicial e mais doce de Ingrid não tinha — ela parece entender instintivamente que Guy, apesar de sua aparência arrojada, tem uma conexão com o personagem. Ela até o deixa tentar ensaiar com uma máscara de seu eu anterior.
Entra Oswald.
É uma pena que não possamos falar muito sobre Oswald sem cair em território de spoiler, porque Oswald (Pearson) é a parte indispensável do último ato aqui. Oswald é (assim como Pearson) um ator que tem neurofibromatose, mas em todos os outros aspectos ele é extremamente diferente de Edward. Ele é extrovertido, envolvente, cheio de sagacidade sem esforço — britânico também — e interage com o mundo de maneiras que Edward só poderia ter sonhado.
Obviamente, isso vai deixar Edward/Guy confuso. As primeiras cenas explorando a dinâmica desse trio improvável estalam com possibilidade, desconforto, às vezes comédia, às vezes tragédia.
O que Schimberg está tentando dizer afinal? É aqui que fica complicado. Ele lança algumas perguntas tentadoras sobre autenticidade na vida e na arte, sem mencionar como a maneira como olhamos traça nosso destino. Então, ele não as responde tanto quanto nos choca com desenvolvimentos alucinantes que parecem, mesmo para essas circunstâncias totalmente únicas, como se tivessem surgido do nada.
Mas é uma viagem absorvente, e Schimberg trabalha com confiança e brio. Além disso, seu elenco é tão bom que você quer que a história continue e continue — que tal uma trilogia, com todos retornando para sequências baseadas em Oswald e Ingrid?
“Um Homem Diferente”
3 estrelas de 4
Avaliação: R (para conteúdo sexual, nudez gráfica, linguagem e algum conteúdo violento)
Tempo de execução: 112 minutos